Regras de neutralidade de Internet
A decisão da Justiça norte-americana de desqualificar a autoridade da Comissão Federal de Comunicações (FCC) em um caso que questionava o gerenciamento de rede do provedor de internet Comcast levanta questões sobre como conduzir as demandas legais sobre neutralidade da rede – e que desfecho teria um episódio como esse no Brasil.
Neutralidade da rede é um termo que define o compromisso, por provedores de internet e operadores de infraestrutura de telecomunicações, de não privilegiar alguns serviços, especialmente os relacionados ao seu próprio negócio, e onerar outros, tornando-os mais lentos. Uma operadora que oferece vídeos pela internet não poderia priorizar seu serviço em detrimento do YouTube do Google, por exemplo.
Nos EUA, o grupo que se opõe à neutralidade da rede inclui empresas de telecomunicações, membros do congresso norte-americano e as operadoras AT&T e Comcast. Do outro lado estão gigantes da internet como Google, Twitter, Amazon e Facebook. Juntas, elas chegaram a enviar em outubro de 2009 uma carta ao governo dos EUA, apoiando a proposta da FCC de neutralidade da net.
A FCC começou a tomar o papel de defensora da neutralidade na rede de forma mais ativa em 2009, quando seu presidente Julius Genachowski propos duas novas regulamentações para impedir operadoras de bloquear ou degradar tráfego legal da internet. Além disso, essas regras forçariam as operadoras a serem mais abertas em relação a suas práticas de gerenciamento de rede.
Queixa
Em 2007, assinantes de banda larga do Comcast descobriram que a empresa controlava o uso de suas aplicações peer-to-peer (P2P), usadas no compartilhamento de arquivos pela rede. Duas organizações de defesa do consumidor, Free Press e Public Knowledge, registraram uma queixa na FCC.
Depois de um período de discussão pública, a FCC decidiu emitir uma ordem de restrição ao Comcast, alegando que a empresa tinha “impedido os consumidores” de acessar conteúdo e de usar aplicativos de sua escolha. O Comcast obedeceu à ordem, mas a questionou na Justiça dos EUA.
Na decisão anunciada na terça-feira (6/4), o juiz David Tatel, da Corte de Apelações do Distrito de Columbia, considerou se a FCC tinha ou não autoridade para “regular as práticas de gerenciamento de rede de um provedor de serviços de internet”.
Para o juiz, a FCC reconheceu que não tinha autoridade estatutória expressa sobre tais práticas, mas baseou sua acusação na Lei de Comunicações de 1934, que a autorizaria a “estabelecer regras necessárias para a execução de suas funções”.
A decisão ressalta que a FCC só poderia exercer tal poder se ela demonstrasse que sua medida (de barrar a ação da Comcast em relação ao tráfego P2P) tinha relação com seu “desempenho efetivo de suas responsabilidades estatutárias”. “A Comissão falhou em mostrar essa relação”, afirmou o juiz.
Decisão de forma
Para o diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação (NIC.br), do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Demi Getschko, o que ocorreu nos EUA foi “uma decisão de forma”. “O juiz decidiu apenas que a FCC não teria posição para brigar com o Comcast, mas em relação à neutralidade da rede não disse nem sim, nem não.”
Getschko diz que seria preciso primeiro definir o que é neutralidade na rede. “O termo neutralidade é muito vago e, em alguns aspectos, não há como ter neutralidade”, diz. Ele cita o exemplo dos pacotes de voz (dos serviços de Voz sobre IP), que precisam ser mais rápidos que os de e-mail, por exemplo. “Serviços de tempo real também precisam ser priorizados”, lembra.
O executivo defende, contudo, que a discriminação, sempre que necessária, deverá ser justificada com motivos técnicos. “Claro que um provedor que piora um serviço que não faz parte de seu círculo de negócios é uma distorção dessa ideia”, diz.
Qual seria então o fórum adequado, já que a Justiça americana desqualificou a FCC, equivalente à Anatel brasileira, nesse embate? Getschko explica que, como serviço de valor agregado, os provedores escapam à regulamentação de órgãos como a Anatel. “Mas há outras instâncias do poder que podem ser envolvidas”, pondera o diretor. “Um consumidor poderia ir ao Procon, por exemplo.”
“Nem todos os setores têm órgãos reguladores. Provavelmente, se fosse no Brasil, o Comitê Gestor discutiria o assunto internamente, mas não teria poder de obrigar – no máximo, poderíamos editar boas normas a respeito”, explica. “No Brasil a situação é bastante calma, mas se ficar mais grave teríamos de ver como discutir a questão.”
bom tema de monografia este!!!